4 - Furioso, lírico e faxineiro

Cidades. Brasília, terça-feira, 12 de julho de 2011. Correio Brasiliense

por Conceição Freitas

Furioso, lírico e faxineiro


Olho para ele: é um negro de 36 anos, magro, rosto cansado. Ouça-o: a voz é grave, os olhos são graúdos e doces, o jeito de chegar é tímido, mas contundente. Se tiver chance, peça para ele cantarolar qualquer coisa e se prepare para ser envolvido pelo ritmo ao mesmo tempo discursivo, poético e estranhamente musical do rap. Observe os gestos do rapper. Mesmo sentado numa banqueta, ele faz um arco com o tórax, curva os dedos médio e anelar, estica os braços e dança a coreografia universal do hip-hop.
Agora, preste atenção à letra da música: "Eu, preto furioso na ritma/assim que sou chamado/Eu sou mais um pelo rap resgatado/Cuidado, sou perigoso no verbo/armado com um microfone/recrutando mais adeptos/aqui minha guerra é pela difusão/Entre mortos e feridos/sou mais um sobrevivente”.
A fúria de Dino Black já se manifestou de modos mais desarvorados. Na adolescência, o filho de candangos entrou na onda do álcool e do crime. Mas bastou uma janela, uma única janela, para que ele expressasse sua revolta de um jeito mais propositivo, no rap. Foi numa oficina de música destinada a jovens carentes que o garoto rebelde se apaixonou pela batida ancestral da percussão.   
Já se vão mais de 25 anos desde que Dino trocou a rebelde ilícita pelo protesto engajado do hip-hop.Tinha estudado pouco,  até 8ª séria, mas quem disse que talento e sensibilidade se aprendem na escola? A percussão o levou a descobrir que a cor de sua pele uma história de resistência e sofrimento, de discriminação e preconceito. Quis saber mais sobre o racismo – chegou a Malcom x e Martin Luther King. Pronto, estava com os dois pés, as duas mãos e a ira no coração do rap.
Dino Black é um dos precursores do hip-hop em Brasília. Nos últimos 20 anos, fez shows, viajou, participou de duas bandas, Morte Cerebral e Viela 17, gravou discos – um deles, solo, o Mais fácil amar a rosa do que sues espinhos -, mas o preto lírico e furioso perdeu o ânimo pelo caminho. O CD,  que tinha tudo pra estourar, não estourou. Os motivos são difusos e se completam. Os ex-parceiros seguiram seu próprio caminho e Dino virou faxineiro.
O rapper está triste, mas não amargurado. Sonha em se apresentar no Câmara ligado, programa mensal da TV Câmara. Continua eternamente grato a quem o ajudou. A jornalista Thaís Cieglinski está na lista das gratidões de Dino. Foi ela que, em 2002, colocou o rapper nas páginas do jornal. E, em retribuição, Dino compôs um rap, 28 de janeiro – com participação da própria Thaís. O nome da música é a data da publicação da matéria que conta a história do preto furioso e talentoso e que, agora, virou faxineiro.

    Digitação & formatação        
                                                                                                                                                                                Ir. Vicente Fialho