Cidades . Brasília, sábado, 9 de julho de 2011. Correio Brasiliense
por Conceição FreitasMoro onde não moro
Se você está prensando um apartamento no Ila de l Cité, bloco residencial em construção no Noroeste, das suas uma: ou trate de fazer um curso de francês ou se acostume a pagar um mico a cada vez que precisar informar seu endereço. A tradução é quase óbvia, ilha da cidade. Mas a pronúncia impõe constrangimento a quem não aprendeu a língua de Sartre.
O embaraço não será menor se o brasiliense decidir morar no Montparnasse Premiè Residence ou Vila Côte d`Azur, também no Noroeste. A cidade das vias sem nome, das superquadras nomeadas com números e os blocos identificados com as letras do alfabeto, vem sendo invadida por uma nomenclatura envergonhada. Logo em Brasília, cidade que nasceu exatamente para convencer o Brasil de nossa grandeza, de nossa riqueza e criatividade. “Aqui há invenção”, como disse Le Corbusier, e muita gente que ainda não entendeu.
É um desfile de criatividade colonizada: no Lago Norte, está surgindo o Upper Life Style – “o futuro visto de cima, do alto de um sofisticado jeito de ser”. A tradução livre para Upper Life pode ser “um estilo de vida superior”. Os empreendedores informam, no material publicitário disponível na internet, que o projeto de prédio de apartamentos no Lago Norte é o estilo brownstone.
Lá fui eu googlear para descobrir que estilo era esse. Brownstone é, originalmente, um arenito de cor marrom, muito usado para revestir fachadas de casas avarandadas e prédios de apartamentos típicos da costa leste dos Estados Unidos, Nova York incluída. Em Bonequinha de luxo, a inesquecível personagem de Audrey Hepburn morava num brownstone. Carrie Bradshaw, personagem de Sex and the city, também morava num desses. O morador do brownstone brasiliense, diz a peça publicitária da construtora, sabe aonde quer chegar: “nem perto, nem pouco, nem ao comum”.
A busca desarvorada por um ideal cosmopolita, porém não brasiliense, mas nova-iorquino, parisiense, estrangeiro, despreza solenemente a identidade brasileira, tão rica e diversa, tão singular e antropofagicamente criativa.
Vamos a outros exemplos desse desprezo pela língua inculta e bela, pelos referenciais brasileiros e brasilienses: um dos muitos novos empreendimentos de Águas Claras foi denominado – acreditem –Yes. O outro, You life style. Um terceiro, The Sun (“mais brilho em sua vida”). A criatividade dos construtores não tem barreiras geográficas: em Samambaia, está surgindo o Le Grand Orleans Tower, “o metro quadrado mais barato” da cidade-satélite.
Mais exemplos colhidos a esmo: Cullinan Luxury Hotel & Convention, L`Wsswnce”, (“a elegância está na origem do L`Essence”); o Residencial First, o Spot Apartment, o Smart Club Residence, o Palazzo d`Alberi.
Poucos, pouquíssimos edifícios estão sendo batizados como nomes que reafirmam a grandeza de nossa identidade cultural. Na 212 Norte está sendo construído o Residencial Renato Russo; no Setor Hoteleiro Norte, o Athos Bulcão, e em Águas Claras, o bucólico Canto do Sabiá. Joias no mafuá de estrangeirismos de constrangedor mau gosto.
Digitação e formatação: Ir. Vicente Fialho