Cidades. Brasília, quinta-feira, 14 de julho de 2011. Correio Brasiliense
por Conceição Freitas
Guerreira vermelha
Das flores do Cerrado, a caliandra é a mais estonteante. De todas as flores que brotam da Terra, a caliandra é a mais milagrosa. Alguém dirá que não é bem assim. Mas continuou a dizer por mim: Pode até ter outra, mais inesperada. Surge em territórios sob o domínio da vegetação contorcida, ora verde, ora cinza, dos campos limpos, dos campos sujos, savanas brasileiras que não têm começo nem fim. Aparece quando já não se espera nada, quando os olhos já se acostumaram à paisagem pálida dos meses de julho e agosto, principalmente.
Tem muitos outros nomes, a caliandra. Quando era menina, Ana Miranda deu a elas o nome de “alfinetes vermelhos”. A literatura botânica já reuniu outras denominações para as flores de hastes pontiagudas: esponjinha, vassourinha, mimosinha, quebra-foice topete-de-pavão, mandararé e manduravá. Lembra um pompom, sugere uma flor de um jardim de Marte, evoca uma explosão, uma pirotecnia da natureza.
Por delicada, por rústica, por nativa, pode-se imaginar que a caliandra tem temperamento selvagem, do tipo que não se adapta a cultivos domésticos. Pelo contrário. Ela é dócil às mudanças. Vai para o jardim, para o vaso, vira bonsai sem reclamar. Dizem que é uma das flores preferidas dos bonsaístas – sua floração generosa estimula o cultivo da flor-anã. Cumpre a função de cerca-viva, aceita participar de projetos de paisagismo urbano. A caliandra parece frágil e fugaz como algodão-doce, mas é forte e perene com um abacateiro.
Tipicamente brasileiro, sabe se proteger das ameaçadas do tempo. Por causa da delicadeza de seus estames, ela se fecha à noite para evitar danos provocados pela baixa temperatura. Se ela se proteger do frio, como então resiste à seca impiedosa? Suporta a estiagem e, quando transplantada para um jardim, não exige nenhum tratamento especial. Vinga e floresce como se continuasse ao rés-do-chão.
Uma caliandra é uma caliandra é uma caliandra, que me perdoem as rosas e o poeta. A caliandra é a quintessência do Cerrado. Concentra nas suas hastas tesas e rubras a força e a beleza do bioma das árvores nervosas e das flores diáfanas. A caliandra não quer ser uma rosa, é antirrosa. Não se proteger com espinhos, se oferece em folhas que lembram asas arrepiadas de passarinho. Não se desdobra em pétalas, irrompe em hastes.
Julho e agosto são os meses de floração da caliandra. O cantador Roberto Correa fez uma música pra ela: “Guerreira, vermelha/ de punhos em riste / Caliandra, caliandra/ Na seca, resiste//Altiva e tão linda!/Na vida insiste/Caliandra, calianda/Que bom que existe”.
Formatação & digitação
Ir. Vicente Fialho
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